Peça de teatro. Família classe média – Avô, pai, mãe, dois filhos – é abalada com a revelação que a dona da casa fez um filme quase pornô nos anos 80.
Trecho do Primeiro Ato:
Todos se entreolham. Anselmo faz menção de se levantar, mas Barbalho o segura pelo braço.
BARBALHO: Deixa, amanhã vocês conversam, ela vai estar mais calma. Deve ser TPM. Gozado, no meu tempo não existiam essas coisas.
ALICE HELENA: Pra vocês, tudo é TPM!
CARLOS ANSELMO: E não é?
ALICE HELENA: Acho que vou dormir, também!
ANSELMO: Melhor, assim o dia acaba logo.
A luz se apaga. Alguns segundos depois, uma luz ilumina Anselmo, de pijamas, na sala, assistindo à TV. Há um lençol sobre o sofá, indicando que ele vai dormir ali (ele está de frente para a plateia, com o palco escuro. A luz que o ilumina é a da TV, esta de costas para o público).
ANSELMO (para si mesmo): Filme brasileiro. Pelo menos deve ter mulher pelada!
Se acomoda, levemente entediado. De repente, se ajeita na cadeira. Som de fundo com barulhos de sexo. Ele vira o pescoço, com expressão intrigada. Abre a boca, pasmo. Efeito histriônico. O som cessa. Se queda catatônico, boca aberta, olhos esbugalhados. Do fundo do palco duas portas se abrem, a luz aumenta o suficiente para as expressões de Barbalho e Carlos Anselmo serem visíveis. Ambos com a mesma expressão de Anselmo. Ele não se vira, pressente a presença.
BARBALHO: Anselmo…
CARLOS ANSELMO: Pai…
ANSELMO: Vocês viram?
BARBALHO: Chama o pronto-socorro, estou enfartando.
ANSELMO: Não é hora de brincadeira, Coronel!
BARBALHO: É sério, estou tendo outro enfarte!
CARLOS ANSELMO: Acho que eu também…
Luz se apaga por alguns segundos. Torna a acender.
Mesma sala, a família de pé, Barbalho está deitado no sofá antes destinado a Anselmo, que fecha a porta se despedindo de alguém fora da cena.
ANSELMO: Muito obrigado pela rapidez com que vieram. Muito obrigado mesmo.
MARIA HELENA: Alguém pode me dizer agora o que foi que houve? Papai, por que é que o senhor não olhou para mim desde que eu entrei na sala? E você, Carlinhos?
ANSELMO: Isso é entre nós dois!
ALICE HELENA: O que foi que houve? Pensei que fosse só o vovô enfartando, teve mais?
ANSELMO: Saiam todos.
BARBALHO: Eu não, eu enfartei!
ANSELMO: Enfartou nada, teve foi um chilique! Me deixa aqui com a Maria Helena. Ou melhor, com a Marilena Duca!
Maria Helena empalidece. Todos saem, em silêncio. Alice Helena, puxada pelo irmão.
MARIA HELENA: Do que foi que você me chamou?
ANSELMO: Você ouviu.
MARIA HELENA: Quem te contou?
ANSELMO: Me contou? Quem? Meus olhos, Maria Helena, meus olhos. Acabou de passar na TV.
MARIA HELENA: Não é possível!
ANSELMO: Passou, Maria Helena, passou sim.
MARIA HELENA: Quando? Agora?
ANSELMO: Por que é que você acha que teu pai teve o piripaque?
MARIA HELENA: Ele viu também?
ANSELMO: E teu filho…
MARIA HELENA: Não!
ANSELMO: …piranha!
MARIA HELENA: Pega leve, Anselmo!
ANSELMO: Pegar leve? Pegar leve? Minha mulher trepando num filme de sacanagem e eu é que tenho que pegar leve?
MARIA HELENA: Trepando não, é só simulação…